Vote com prudência ou não vote. Se estiver zangado, beba água, passeie no monte, durma bem, mas fique longe das urnas.

O apelo ao voto é um exausto clássico de campanha. Mede-se a qualidade da democracia pelo número de eleitores quando, na verdade, quando um candidato apela ao voto, apela ao “voto em”, ou apela apenas ao comparecimento do eleitor; “o povo é sábio”, “foi uma festa da democracia”, “grande lição de maturidade democrática”, dizem eles, triunfantes, ao sair das urnas confrontados com microfones ansiosos.

A quantidade tende a comprometer a qualidade. O voto pelo voto nada acrescenta à democracia, pelo contrário, faz das eleições um concurso de popularidade (perdoem a falta de originalidade, que sempre macula a aferição do óbvio) em que as preferências oscilam ao sabor de episódios casuais – um protesto indignado, uma frase infeliz, a aparição de fantasmas do passado, um factóide pessoal, lágrimas de comoção com a recordação de um falecido gato de infância.

O voto obrigatório é uma abominação, um ritual de seita. Cá entre nós, que ninguém me lê, confesso que nestas alturas me ocorre a tirânica ideia da instituição de um Certificado de Habilitações do Eleitor; seria como a carta de condução, o certificado de toma da vacina do Covid ou um passaporte. Adiante.

Elegemos representantes a quem delegamos decisões sobre matérias que desconhecemos: fiscalidade, administração pública, justiça, saúde, etc. Todavia, se pouco ou nada sabemos sobre essa matéria como sabemos avaliar quem nelas é competente? Ou seja, como votar? Os passageiros votam no piloto do avião? Os pacientes no cirurgião? Não, é de competência que se trata, um sistema eleitoral não garantiria a competência do piloto, há processos de avaliação técnica. O mesmo não se aplica aos políticos? Governar não exige máxima competência? O erro de um piloto pode provocar morte imediata dos passageiros, mas decisões erradas na política podem causar um ainda maior número de vítimas – pensemos nas decisões em tempo de COVID.

Não se trata de opor outro sistema à democracia, chega de sistemas, a minha tese assenta na convicção de que não é o voto livre que solidifica um país, uma comunidade, mas o voto sábio. Não é saudável a ideia instalada no discurso público de que o acto de votar é mais válido do que o sentido de voto.