“O tempo passado e o tempo presente, fazem todos parte do tempo futuro.” (T.S.Elliot, 1888-1965).
Faz hoje 100 anos que Portugal é, politicamente, uma República.
Eu gosto de História por vários motivos, o principal é uma paixão intrínseca pelo tema. Fascinam-me as histórias e os vestígios daqueles que construíram o mundo onde vivo. Tenho imensa curiosidade em conhecer as várias versões da História, porque nunca há só uma, e sei muito bem o quanto duas pessoas com opiniões completamente distintas podem ter ambos razão. Sei também que a opinião dos vencedores impera em relação à dos vencidos, é a natureza das coisas, é isso que ficava nos livros. Sublinho “ficava”, porque agora a pluralidade é o paradigma. Não se escreve só uma versão, desmultiplica-se a História em vencedores, vencidos e indiferentes. Temos de ser nós, com espírito critico, a desenrolar o novelo e encontrar um principio e um fim, uma lição que só pode ser aprendida com a experiência da vida
A razão porque falo de História e da República no mesmo contexto, é apenas para fazer um paralelo com a situação portuguesa no início do séc. XX com o nosso tempo. A cultura histórica é fundamental.
Há muitas histórias mal contadas. Quanto maior for a distância temporal, maior é a distância dos factos. Se passados 30 e poucos anos do Guerra Colonial há tantas histórias contraditórias, e tanta paixão em cada contador, pergunto-me sobre o que terá acontecido há 500 anos, nos Descobrimentos. Destacamos coragem e glória, motivámo-nos para o futuro através da invocação desses tempos.
Não quero aqui dizer, que a História se repete nos mesmos termos em alturas diferentes. É preciso contextualizar e comparar. Não digo que a política austera actual, vai culminar numa revolução impelida pela revolta popular. Digo é que o conhecimento dos factos concretos, sem a paixão da ideologia, faz de nós cidadão mais esclarecidos. Numa perspectiva mais abrangente, pessoas melhores.
Assisti aos discursos na comemoração da Centenário da República. O presidente da organização que comemora esta data, Artur Santos Silva fez um resumo interessante dos acontecimentos na época, fazendo também este paralelo que eu destaco aqui. Falou no ideal republicano da cidadania, sinceramente esse é um dos maiores falhanços da república. Os portugueses, colectivamente, não se movem por ideais, mas por circunstâncias. Foram as péssimas condições de vida que os levaram a apoiar o movimento republicano.
O primeiro-ministro fez um discurso generalista, mais uma vez, marcado pelo positivismo cego, com um semblante um pouco mais carregado do que o costume. Disse ele “Perante os obstáculos, sempre soubemos encontrar um caminho”. Sempre desenrascamos e adiamos os problemas, mas já nos “toparam a manha” e o desenrasque é uma característica (não uma virtude) digna de um museu da Humanidade.
O Presidente da República, Cavaco de Silva, fala da responsabilidade cívica de todos nós, e apela à união e consenso. Algo que nunca tivemos em Portugal.
Estamos na III República, disfarçada com dinheiros comunitários, esta também falhou. O 26 de Abril foi uma enorme desilusão. Sempre pelas mesmas razões, conjuntura financeira e partidarismo, o povo não perdoa, é soberano. As constantes lutas partidárias, alheias aos problemas do país, numa instável República, culminaram em décadas de ditadura.
Eça de Queirós, escreveu em 1872, “As Farpas”:
“…Nós estamos num estado comparável sómente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento de caracteres, mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá …vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se a par , a Grécia e Portugal”. (Daqui)
Isto foi escrito há quase 150 anos. Por isso, calem os economistas e deixem falar os historiadores. Não podemos esquecer o passado. A actualidade destes textos do Eça é assustadora, ainda nos debatemos com estes problemas, noutras circunstâncias, mas são os mesmos.
Referências
Recomendo este conjunto de artigos da autoria do historiador António Mota de Aguiar sobre a República. Aliás, recomendo o blog “De Rerum Natura” na sua íntegra.
Nem toda gente, e não são poucos, estão contentes com a República. A bem da pluralidade, não podemos ignorar opiniões apenas porque não concordamos, recomendo estes blogues de carácter monárquico, o famoso 31 da Armada e o Centenário da Republica.
Este excelente artigo de opinião no DN, escrito por João César das Neves, não sendo sobre a República, fala sobre o esquecimento e falsificação da História, “(…) exagerando males, omitindo virtudes (…)”. Particulariza com as Cruzadas e as suas motivações.
Recomendo também o último Prós e Contras apenas com historiadores. Conta com a participação do Professor Fernando Catroga, já assisti a uma conferência dele e vale a pena ouvi-lo a falar sobre História. Ele invoca a humildade na compreensão da História, e a multiplicidade dos agentes que transformaram a História.
“A HISTÓRIA: ACASO OU LEI?”, ABC do Marxismo-Leninismo, Série B, Nº 2. Editorial «AVANTE!», Lisboa, 1976. (Daqui). É um documento onde se faz a pergunta “Qual a importância de sabermos se há leis da história e, caso as haja, se as podemos conhecer?”. Em jeito de comentário, encontro uma certa ironia num documento de carácter comunista, em 1976, a discutir as lições da História.