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Carta, Cândida de Almeida, Corrupção, democracia, José Sócrates, público, política, Procuradoria Geral da República, PS
Há cerca de dois anos, a Procuradora Geral da República (PGR) Cândida de Almeida anunciou que os políticos portugueses não são corruptos. Desde então, sucedem-se impetuosamente os casos de decapitação dos mais altos cargos do Estado.
“É preciso acabar com os julgamentos na praça pública.”
Apela-se com consternação perante os casos recentes (ou pelo caso recente?), mas que espécie de reacção se pretende do povo quando as pessoas com mais poder no país estão envolvidas em casos que não conseguem explicar, ou que estão efectivamente provados, e que implicam a canalização dos impostos enormemente aumentados para um vácuo abismal?
Como é que se pode apelar à ira do povo perante as injustiças dos prepotentes (Isabel Moreira no último Barca do Inferno), lamentando a sua secular mansidão e, ao mesmo tempo, apelar a uma calma gélida perante tal burburinho judicial?
Era penoso, mas se houvesse uma investigação rigorosa ao crime urbanístico (terrenos que se valorizam de 4 para 20 milhões em meia-hora), os casos nasciam como cogumelos. Não devia a praça pública ter consciência de casos concretos para dar forma às desconfianças vagas, desabafos no barbeiro?
Tomemos como exemplo, o caso de José Sócrates, detido à saída do avião. Se não fosse nesse momento, onde seria, sem causar o espetáculo mediático? Uma detenção na sombra, no recato das altas esferas? Isso é democrático? Como queriam deter um ex-Primeiro Ministro sem haver trepidação e choque?
Os ódios pessoais podiam estar fora deste processo, mas nunca estarão, se a personagem é relevante. É sempre indigno ver pessoas nesta situação, privadas de liberdade e com a sua vida espalhada na rua mas, “não raro a prepotência atraiçoa o prepotente” (Carta ao Público). Mas isto é muito mais do que um caso pessoal, é o próprio regime em causa, seja qual for a conclusão do processo. Mesmo que se arraste letargicamente como parece ser o destino inevitável dos grandes processo, também nesse caso o regime apodrece na descrença.
Nada disto belisca a afamada presunção de inocência de Sócrates. Aliás, este usa os meios de comunicação para difundir a sua estratégia de defesa, disso é exemplo a sua carta ao Público: há mão por detrás do arbusto. Retirou o PS da contenda, vai ser louvado pelo gesto, precisamente na mesma praça e pelos mesmos que nela agora cospem.
“Este processo só agora começou.” (Évora, 26 de Novembro de 2014, José Sócrates)