À chegada, duas meninas instruíam os visitantes para que iniciassem o percurso pela direita. Lá nos enfileiramos, mascarados, a pele das mãos lambida a gel, com a ordem possível a que uma multidão obedece.
Obediência.
Ironia poética, no sábado à noite falou-se de liberdade e censura, ficando de fora da conversa o regime de bio-política que rege uma comunidade que, reconheça-se, é pacífica, não por princípio, mas pelo medo do ímpeto romântico do desobediente – o conspirador nacional faz peito no café ou no blogue. Adiante.
Entrei no belíssimo anfiteatro da Biblioteca Almeida Garret, mas logo fui barrado: era preciso aguardar que os assistentes indicassem os lugares; cada um sentava-se por ordem de chegada, o auditório foi preenchido de baixo para cima, em cada fila, de dentro para fora evitando assim cruzamentos entre pessoas. A última lição que a Humanidade precisa é a de se evitar entre si. Vivemos o sonho dos burocratas.
Entre cada lugar sentado tem de ficar uma cadeira vaga, o que até é cómodo para pousar o saco e cruzar as pernas para o lado – preenchemos a desgraça com o sentido prático do quotidiano, é assim que funciona a sobrevivência?
Imediatamente antes do debate, ouve-se a seguinte advertência no sistema sonoro da sala: “Para que nos sintamos confortáveis pedimos que usem máscara”.
A máscara salva, o trabalho também, dizia num letreiro algures.
Confortáveis, de óculos confortavelmente embaciados, lá escutámos o ameno debate sobre um nada ameno tema.
Agora, o que verdadeiramente interessa é a homenagem a grandes poetisas prestada neste evento. Ontem e hoje foram homenageadas Leonor de Almeida – já falecida, uma ilustre desconhecida a não confundir com a marquesa de Alorna – e Regina Guimarães, presente na sessão. Acima de tudo, fiquei com a impressão da extraordinária inteligência de ambas. O país precisa das letras como de árvores em montes queimados.
Ontem chovia, e não há melhor tónico para a leitura do que chuva pardacenta de Setembro. Começou verdadeiramente a a feira do livro, mais do que um evento comercial onde se altera a localização dos livros, da montra para a bancada, é um evento literário onde têm a palavra os protagonistas: escritores e leitores.
Com o simpaticíssimo João Tordo e o dramaturgo José Maria Vieira Mendes, falou-se desta geração de escritores portugueses que andam lá pelos trinta e já publicaram algumas obras assinaláveis. De Valter Hugo Mãe a Gonçalo M. Tavares, passando pelo próprio João Tordo e José Peixoto, há um conjunto de escritores com idades muito próximas, sem que seja possível estabelecer uma corrente literária que os agregue. Tenho para mim que esta é a conclusão principal do debate, mas há perguntas que ficam sem resposta: que lugar terão os escritores numa realidade caótica de informação visceralmente gráfica e sem a devida intelectualização? Como podem lidar com uma concorrência selvagem escritores que se iniciam?
Entre debates, Rui Moreira, na justa e primeira homenagem a Vasco Graça Moura, afirmou com um exagerado estoicismo que esta Feira do Livro é aquela “que quisemos, quando quisemos e como quisemos”. É um sucesso, quer pelo formato quer pela adesão, mas é difícil folhear os livros expostos como se se estivesse na Ribeira durante o S. João.
No segundo debate, às 17:30, ainda Gonçalo M. Tavares não tinha começado a sua intervenção, e já havia escrito uma página inteira de notas. Imagino assim os escritores, todos os momentos em palavras. Germano Silva tem o dom da palavra falada e aquele afecto das cartas escritas à mão.
O lendário baixista dos Maiden, Steve harris, aventurou-se recentemente num álbum a solo intitulado de “British Lion”. Apesar da sua sólida consagração, considero um álbum a solo do compositor principal da dama de ferro uma aventura, na medida em que as comparações são inevitáveis.
Como seria de esperar, é um álbum muito bass-driven, quer a nível da composição, quer a nível da gravação. Esta característica não reflecte um qualquer protagonismo por parte de Harris, um vedetismo que seria uma tentação fácil para uma lenda viva de Heavy-Metal, o baixo destaca-se pela inspiração enciclopédica de um músico que conhece todos os tiques do metal.
É um bom álbum, onde pontualmente nos esquecemos de Maiden, mas os refrões “Ohhhh! Ohhhh!” e os coros de guitarras não traem a proveniência, embora isto não aconteça em todas as faixas. Li algumas entrevistas ao Steve Harris, e ele diz que procura mostrar algumas das suas influências, tais como UFO ou The Who. Faixas como “World Without Heaven” ou “The Chosen Ones”, transportam o ouvido imediatamente para os eighties, ou para o lado B do Fear Of The Dark, mas mantém a solidez das primeiras músicas do álbum.
Hoje, constatarei o verdadeiro valor do projecto, ao vivo, no Hard Club.
O mestre absoluto da guitarra eléctrica vai tocar amanhã, dia 21 de Novembro, no Teatro Sá da Bandeira no Porto, e eu quero ver, mas não devo, e não posso, gastar cerca de 30€ pelo bilhete. Este último álbum, “Black Swans and Wormhole Wizards”, é muito bom e o dilema é grande.
Estes preços impedem as pessoas de “consumir” cultura. É ridículo, o dinheiro que se gasta em megalomanias, e as pessoas continuam na mesma, sem o contacto com a criatividade, a exploração dos sentidos. São números e os mercados ditam as leis. Não me refiro apenas a este concerto em particular, em relação a livros e outros concertos, o cenário é o mesmo. Que motivação é que as pessoas têm, sabendo que o dinheiro que ganham será para pagar uma dívida esmagadora, através de preços e impostos exorbitantes? Estamos a criar uma sociedade muito perturbada. Adiante.
O último álbum do Satriani agrada-me muito, e gostava de ouvir ao vivo. Ele não abdica do rock, mas nunca estagnou, teve sempre a preocupação em inovar, ou mudar, nem sempre é a mesma coisa. Fê-lo em tal medida, que alguns álbuns, tais como o “Engines of Creation” são complicados de ouvir, mesmo para os fãs de longa data, tal é a experimentação e uso de efeitos estranhos.
Este último álbum tem uma componente orquestral, e uma predominância de teclados, que não era usada em tão larga escala nos álbuns anteriores. Parece-me que isto permite um maior leque de recursos no que respeita à composição. O Satriani, é para mim o melhor, não pela técnica, que não merece o mínimo reparo, mas pela sua criatividade e qualidade da música, em termos de composição.
“Dispensam-se palavras, não é o prelúdio de uma conversa, não é um começo, não tem princípio nem fim. É quando são feitas as perguntas mais concretas, e dadas as respostas mais sinceras. No cruzamento de viagens, olhámo-nos com toda a simplicidade que a vida teima em complicar, mas que os teu olhar revelou em todo o seu esplendor de castanho claro, por entre os cabelos timidamente loiros.
Vínhamos de pé, os lugares foram-se esvaziando, mas não nos sentamos. Não queria fazer qualquer movimento, para além do tímido desviar do olhar, de quem não se quer comprometer com uma efémera fantasia interior, tu, não sei, apenas ficaste onde estavas. Aliás, nada sei sobre ti. Nem preciso, o facto de seres é suficiente para mim, neste momento.
Saíste sem olhar para trás. Anotei as palavras que ficaram penduradas no silêncio, sarrabiscos de sentimentos, traços indistintos enrolados num novelo cada vez mais confuso. O tempo ensinou-me a lidar com a indiferença, o cinismo cobarde a compreende-la. Não foi uma troca de olhares, é egoísmo puro, não se oferece, não se troca, não se pede, deseja-se, é um impulso. Acaba aqui, se nos voltarmos a encontrar, mentirei, como se nada tivesse acontecido, diluiu-se no tempo, mas nunca esqueço um olhar.
Para a rapariga de casaco cinzento, que não usa maquilhagem.”
Escrito, parece ridículo. Coisa de crianças. Acontecem-me com frequência, estes clichés. Nisto, sou uma criança e assim quero permanecer. Agora há um grupo no Facebook denominado “Porto Subway Love”, que pretende facilitar o reencontro entre pessoas que “cruzaram olhares românticos” no metro do Porto e querem voltar a ver-se” (Daqui).
O reencontro seria um escrutínio absurdo, de coisas que são apenas sussurradas. É preciso espaço, solidão, desencontro, para fazer valer a pena.
Neste vídeo, filmado na rua de St. Catarina no Porto, um “gajo que é alemão” e uma “gaja portuguesa”, segundo o sóbrio relato feito pela senhora que aparece em primeiro, foram alvos da ASAE da foda.
Eles beijavam-se, rebolavam-se, e ele, imagine-se, metia-lhe a mão por dentro das calças. Ainda bem que apareceu um paladino da justiça, vestido de branco (ironia poética?), temendo pela devassidão, que ensombrava o futuro das criancinhas incautas que por lá passavam, deu o exemplo daquilo que é a moral e bons costumes, espetar um banano a um gajo, cuja sobriedade se vertia pelo corpo da rapariga.
Ao longo da tórrida cena, as pessoas foram-se amontoando para assistir com espanto, e aquela curiosidade que nasce da mesma raíz, da outra que os faz parar para ver acidentes de viação. Tais atitudes de desprezo, que se vão amontoam nas caixas de comentários do Correio da Manhã, devem ser objecto de estudo dos sexólogos, que aqui por estes lados, já por mais que uma vez, alertam para bem da nossa sanidade mental, que a coisa é mal feita, e em quantidade reduzida. O inverso dos poemas do Quim Barreiros, tantas vezes soletrados pela rapariga que comprava meias, julgo eu sem grande risco de me enganar.
Talvez estes pais, se juntem àqueles que estão contra a educação sexual nas escolas, e expliquem aos filhos a razão de Portugal estar destacado nos rankings do costume, pela sua taxa de mães adolescentes. Esta rigidez na educação sexual dos filhos, “homem que é homem tem de jogar à bola!”, diz mais da intranquilidade sexual dos pais, do que da sua preocupação com pedagogia.
O que poderiam as pessoas fazer? Ignorar da mesma forma que ignoram o cego, que na mesma rua, sentando num banco, numa esquina, pede uma esmola “pela luz dos nossos olhos”. Estavam eles a impedir a entrada em alguma loja, ou prédio? Isso era um caso mais problemático, e aí justificava-se a chamada de atenção.
Saindo do domínio do ridículo, e do recurso humorístico fácil, o atentado ao pudor (penso que seja este o crime em causa, não sei, já espero de tudo), é considerado crime. Poderiam estas pessoas ser punidas legalmente? Estaria o país melhor? A razoabilidade deve entrar neste debate. Temos de fazer cedências, e quem defende o amor livre e descomplexado, deve a si mesmo a compreensão da incompreensão das mentes menos esclarecidas. Isto faz de mim um tarado? Não, eu apenas imagino uma sociedade completamente diferente, onde os princípios não se impõem, discute-se e tem-se espírito critico. A tal utopia, esta é a minha, e todos devemos ter uma, reduzir o espaço do cinismo é uma peça central no puzzle da felicidade.
Esta discussão, e outras, tendem a centrar-se na questão “Tu estás de acordo com…?”. Esse é o verdadeiro problema, não nos cabe a nós ditar leis, que apenas terão impacto na vida alheia. O consenso em volta deste tema é dispensável, o pudor é uma questão pessoal, e pode definir-se pela capacidade de lidar com a nossa intimidade e a dos outros. Gostarmos ou não é irrelevante, não podemos esperar gostar de tudo que os outros façam.
Gostava que me explicassem em que medida, a conduta sexual das outras pessoas condiciona a nossa vida. Qual é a consequência, qual o impacto na felicidade dos outros, que um casal esteja dentro de um carro a fazer aquilo que lhes apeteceu? Vamo-nos tornar em violadores e pedófilos, se abrir-mos o coração sem complexos?
Aliás, considerar uns mimos mais ousados, um mau exemplo para as crianças, é o tipo de diabolização do sexo que nos torna pessoas com uma tensão interior, que explode em violência e depressões colectivas. As pessoas vivem com medo, sempre atentas a qualquer movimento alheio que saia fora das linhas mestras da sua rectidão moral, sempre de dedo em riste, manietados pela culpa religiosa, apontando em todas as direcções menos na mais importante, para dentro deles mesmos.
Vai ter Bach, Händel e Scarlatti. Excepto o preço dos bilhetes, não tenho grandes desculpas. Os concertos às 6 da tarde é que não são programados para ter público, digo eu.
O programa completo aqui, e um documento bem detalhado sobre os compositores e intérpretes que estão presentes no festival.
Neste jogo para a Taça de Portugal, entre o Limianos e o Porto, descobri que o Hulk (no centro da imagem, no flanco direito do Porto), afinal é um ser humano.
Também descobri, que se não houvesse repetições, não haveria 1\10 da discussão em torno da arbitragem.
E concluí, que não irei ao Estádio do Dragão na época mais fria do Inverno…
O jogo ficou 4-1, e a equipa de Ponte de Lima conseguiu marcar um golo, menos mal. Estão a festejá-lo na foto abaixo.