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«Para que nos sintamos confortáveis, por favor, conservem a máscara colocada».
…era dito através do speaker do auditório da biblioteca Almeida Garrett; uma voz educada, sóbria, com a serenidade de quem opera algo de cirúrgico no nosso cérebro.
Noção de conforto talvez adulterada por aquilo que, a dada altura, se convencionou chamar de “novo normal”; uma amálgama de medo, ignorância, lassidão democrática e pulsão para a delação. Há pessoas que nunca tiram a máscara, a pandemia apenas sublinhou um traço de personalidade.
Uma ordem mascarada, imediatamente antes da apresentação do mais recente livro do Afonso Cruz, autor que já ouvi um par de vezes, mas que nunca li. O seu talento para a palavra é óbvio, mas tem uma doçura que, para já, me afasta dos seus livros. Adiante.
A Feira do Livro do Porto deste ano não contou com o tipo de debates que a enriqueciam, pois este evento não se limita a expor ao pó da Alameda das tílias do Palácio de Cristal, aquilo que durante o ano reside nos escaparates das livrarias, é também a exposição pública e reflexão por parte daqueles que produzem livros. Ainda assim, algumas palestras são de aproveitar.
Júlio Dinis foi o escritor homenageado desta edição, porém, nos vários stands que percorreu, a sua obra não se destacava. Diz-se por aí que é um escritor lido demasiado cedo – concordo. É um belíssimo autor, mas carece de alguma maturidade por parte do leitor, para que compreenda as idiossincrasias do século XIX e se saiba situar. É sempre assim, mas se os miúdos não forem expostos na escola à obra literária, não é garantido que em casa usufruam desse privilégio e, afirmo com poucas dúvidas, necessidade. Consta que o escritor era um herbário, daí o mote da Feira.
No stand de bebidas serve-se uma sangria misturada com aquilo que à primeira vista me pareceu água, mas veio a revelar-se ser 7up sem gás – não questionei, nesta matéria o barman é soberano, mas a minha expectativa para este refresco envolve frutas e álcool. Sabia a callipo derretido em vodka. Já ia desconfiado, mas o stand desafiava o som ambiente da feira com um concerto de Steve Vai emitido por um telemóvel. Assim sendo, sou até capaz de tolerar cerveja quente em copo de plástico. Eram três da tarde. Já na sombra das Tílias soava do tal sítio Eric Clapton, Jeff Beck e Jethro tull. Pena a sangria saber a fim de festival.
Enquanto folheava livros comprados com alguma compulsão, distraía-me com pombas que aterravam com urgência, competindo pelas migalhas recolhidas da orla de um pastel de nata e atiradas maternalmente por uma senhora sentada no canto de um banco. Lá ficaram em bando, afoitas, a picar o chão, sentido de vida livre de angústias existenciais – tomara a filosofia lograr tal convicção.
Uma batelada gasta em livros, nenhuma pechincha. A Relógio d’Água é o fornecedor do costume, todos os anos sai de lá um clássico para ler com a chuva de Outono. Algumas surpresas nos alfarrabistas.
Como disse o Gonçalo M. Tavares: se a feira do livro de Lisboa é um lugar para se passar, na feira do Porto é para se estar. Assino.