À chegada, duas meninas instruíam os visitantes para que iniciassem o percurso pela direita. Lá nos enfileiramos, mascarados, a pele das mãos lambida a gel, com a ordem possível a que uma multidão obedece.
Obediência.
Ironia poética, no sábado à noite falou-se de liberdade e censura, ficando de fora da conversa o regime de bio-política que rege uma comunidade que, reconheça-se, é pacífica, não por princípio, mas pelo medo do ímpeto romântico do desobediente – o conspirador nacional faz peito no café ou no blogue. Adiante.
Entrei no belíssimo anfiteatro da Biblioteca Almeida Garret, mas logo fui barrado: era preciso aguardar que os assistentes indicassem os lugares; cada um sentava-se por ordem de chegada, o auditório foi preenchido de baixo para cima, em cada fila, de dentro para fora evitando assim cruzamentos entre pessoas. A última lição que a Humanidade precisa é a de se evitar entre si. Vivemos o sonho dos burocratas.
Entre cada lugar sentado tem de ficar uma cadeira vaga, o que até é cómodo para pousar o saco e cruzar as pernas para o lado – preenchemos a desgraça com o sentido prático do quotidiano, é assim que funciona a sobrevivência?
Imediatamente antes do debate, ouve-se a seguinte advertência no sistema sonoro da sala: “Para que nos sintamos confortáveis pedimos que usem máscara”.
A máscara salva, o trabalho também, dizia num letreiro algures.
Confortáveis, de óculos confortavelmente embaciados, lá escutámos o ameno debate sobre um nada ameno tema.
Agora, o que verdadeiramente interessa é a homenagem a grandes poetisas prestada neste evento. Ontem e hoje foram homenageadas Leonor de Almeida – já falecida, uma ilustre desconhecida a não confundir com a marquesa de Alorna – e Regina Guimarães, presente na sessão. Acima de tudo, fiquei com a impressão da extraordinária inteligência de ambas. O país precisa das letras como de árvores em montes queimados.