Munido de algum cinismo, diria, após uma primeira audição, que o novo álbum de Maiden, Senjutsu, não se emancipa da mesmice. Terminado em 2019, mas adiado o seu lançamento devido à pandemia – e eles precisam de fazer dinheiro com a tour que logo se segue ao lançamento de um álbum novo – o novo álbum é atirado do Olimpo do Metal cá para baixo.
Uma segunda audição faz-me reconsiderar um julgamento que já estava engatilhado – como qualquer fã antigo de metal, sou um idiota preconceituoso. Ainda assim, Iron Maiden, como talvez mais nenhuma banda nascida em finais dos anos 70, capitaliza uma nostalgia que, porém, a submerge em clichés musicais. Críticos ou fãs, recorrem sempre à discografia brilhante dos anos 80 para comparar o restante trabalho da banda, e sendo assim, a avaliação será quase sempre desfavorável. As progressões que o ouvido de pedra dos metaleiros esperam ouvir estão presentes em todas as músicas, o clássico I-VI-VII, mais concretamente, a progressão Em-C-D. Faça-se justiça às decisões harmónicas do metal: a tonalidade de Mi menor é muito conveniente aos guitarristas. Claro que o new-metal subverteu toda esta lógica ao descer a afinação e acrescentar cordas mais graves, mas o princípio é o mesmo: ganhar peso no som.
Quando ouvi o primeiro single, “The Writing on The Wall”, desconfiei logo que a sua secção dos solos seria o ápice do álbum: não me enganei. Já aqui o afirmei antes e repito: Maiden é uma enciclopédia do bem tocar guitarra. Dave Murray e Adrian Smith estão em grande forma; os dois extensos solos que apresentam neste single são disso prova inequívoca desse pedigree guitarrístico.
Mais do que o último, Book of Souls, e muito mais do que o penúltimo álbum, The Final Frontier, este álbum tem pontos de interesse aos quais valer a pena regressar em audições futuras. O refrão da primeiro música, “Senjutsu”, já faz antever algumas melodias um pouco à margem do clássico Maiden. A conjectura confirma-se em “Lost in a Lost World” e “The Time Machine”. Interpolados com harmonias e melodias clássicas da banda, há melodias pouco comuns nestas faixas em particular, contribuição dos vocais do Bruce Dickinson. Isto para não falar da introdução de “The Parchment”, que imediatamente me remete para o Bolero de Ravel.
Na segunda parte do álbum constam os épicos do Steve Harris que, nestes últimos álbuns, ao longo de faixas com mais de 10 minutos, explora temas épicos baseados em episódios de batalha ou de inspiração céltica, espraindo-se em largos minutos de instrumental – um clássico dos últimos álbuns. Na realidade, com excepção de alguns momentos, estas três últimas músicas não acrescentam muito ao legado musical da Besta. A sua atmosfera e tonalidade constante aborrecem pela repetição. Há quem acuse o produtor Kevin Shirley de não ter autoridade para chamar a banda à razão, muito devido à manutenção do bom ambiente entre os integrantes de Maiden, que não estão para aturar as suas ideias sonegadas, crescendo assim as composições para acomodar todas as contribuições evitando-se desta forma os conflictos. Especulações novelísticas que apimentam as histórias das bandas.
Alguns reviews deste álbum aproximam-no ao The X Factor, controverso disco dos idos anos 90 quando o injustiçado Blaze Bailey era o vocalista, pelo entorno sombrio e andamento lento. Creio que é um juízo fundamentado, mas este álbum é bem melhor – excepto na capa -, principalmente na secção das guitarras. Diria que parece sujeito a um filtro que lhe remove a alternância de emoções, é um álbum plano. Em suma, não desilude, mas não surpreende, o que, em boa verdade, são sensações impossíveis de causar em fãs que ouvem a banda há mais de 20 anos; vivem num paradoxo, não estão dispostos as grandes mudanças, ao mesmo tempo que acalentam a possibilidade de sentir a mesma surpresa da primeira vez que escutaram este milagre sonoro que é Iron Maiden – é frustrante, mas não se repete.
Ainda havemos de nos sentir orfãos, nós que escutamos aquela música forjada nas caldeiras de Black Sabbath no inicio dos anos de 70, quando desaparecerem estas grandes bandas. Aliás, as únicas – enumerem-me as grandes bandas nascidas após 1990 que ainda persistem!
O “paradigma” – como agora se diz, mas já em LESI se tinham apercebido do poder expressivo do termo – mudou; as rádios já não são o último reduto dos grandes hits, a lista das mais ouvidas do Spotify é cada vez mais homogénea e efémera: cada vez são menos os artistas que pontuam nos tops e durante menos tempo. Passou o tempo dos colossos musicais. Há quem diagnostique a estupidificação da gente, mas é uma asserção superficial – a arte contemporânea merece uma reflexão mais profunda.
Adenda: tenho notado,nas inúmeras reviews que vão surgindo, alguma aversão à duração das músicas. Fãs de metal a queixarem-se da duração de músicas é como adeptos de futebol a queixarem-se da quantidade de passes do Barcelona de Guardiola.